GUARDA COMPARTILHADA: UMA DECISÃO DELICADA
GUARDA COMPARTILHADA: UMA DECISÃO DELICADA
“Há momentos em que um juiz deveria ter uma câmera na mão, gravando o que se fala e reproduzindo o filme na parede branca. Talvez assim os personagens conseguissem perceber a que ponto as paixões e os ódios comprometem a inteligência.”
Andréa Pachá (03)
Por Suely Pavan Zanella
No Brasil é lei desde o final de 2014 a Guarda Compartilhada, através dela pais e mães terão o direito igualitário de tomar decisões à respeito da educação dos filhos (01). Nem sempre, porém, o convívio dos pais será na base dos 50% do tempo com um e 50% com outro, o objetivo sempre será o bem estar das crianças. É isso que dizem advogados e juristas. Quando uma das partes não concordar com esta divisão, a lei será aplicada e ponto final.
Óbvio que do ponto de vista racional a lei é ótima, pois permite que pais e mães tenham responsabilidades semelhantes com relação à educação dos filhos e também convivência equilibrada com ambos.
Mas será que do ponto de vista emocional esta obrigatoriedade de compartilhamento de fato funciona?
No dicionário (02) compartilhar significa: Arcar juntamente com.
Ou seja, na via real compartilhamos, seja lá o que for, com quem gostamos e apreciamos. Na metodologia psicodramática, por exemplo, o compartilhamento é um momento importante, pois é através dele que percebemos como aquilo demonstrando pelo outro após uma dramatização, nos afeta, e nos aproxima também. O compartilhamento não deixa de ser um exercício pleno do poder empático, ou seja, nossa capacidade real de sentir, e não apenas simpatizar com aquilo que o outro sente, da maneira que ele (o outro) sente.
Como, na prática, compartilhar a guarda de um filho, se o casal optou por separar-se nem sempre de forma agradável e até civilizada?
Como lidar, também, com a questão real da violência contra a mulher no Brasil? Sabe-se que muitas vezes ela se separa do homem justamente para preservar a sua família de maus tratos físicos e principalmente psicológicos.
É impossível, se temos um mínimo de bom senso, nos afastar das duas questões essenciais acima e forçar a todo o custo uma guarda compartilhada, principalmente se o que dizem é que o interesse da criança é que deva ser preservado. Será?
Para que o interesse da criança seja de fato preservado o processo deverá caminhar de forma lenta e muito, mas muito delicada. É preciso estudar profundamente através de técnicas psicológicas como é o real entrosamento com cada um dos pais em relação aos seus filhos, envolvidos no processo de guarda, como também, e principalmente a relação do casal de pais, o seu entendimento e grau de empatia. E por qual razão, muitas vezes, a mulher que era a detentora da guarda na maioria dos casos no Brasil, é contra a guarda compartilhada.
Só que para fazer este tipo de processo é necessário gente muito bem preparada no que concerne à Psicologia. Tenho lido muita coisa à respeito deste assunto e ele se insere numa espécie de “achismo” por parte de alguns psicólogos. Uns acham boa a guarda compartilhada por “forçar” o ex-casal de pais ao diálogo. Outros ainda insistem em utilizar a falácia da Síndrome da Alienação Parental, que inexiste e não é reconhecido como “síndrome” mundialmente.
O próprio termo “Alienação Parental” também tem sido usado a torto e a direito como uma espécie de xingamento: “Ela é uma alienadora”; “O alienadora é uma psicopata”...Diariamente pululam comentários deste tipo e outros até mais aviltantes nos grupos sobre guarda compartilhada e alienação parental no Facebook. A maioria dos comentários jocosos advém de pais que ofendem publicamente tanto suas ex-esposas como também qualquer pessoa que faça um comentário contrário à algumas considerações.Fico a imaginar como um homem deste, verbalmente agressivo, quer a guarda do filho.Entendo o grau de revolta que um pai sente ao ver que sua prole está inacessível a ele, mas lembremos também que até bem pouco tempo os homens delegavam a tarefa da criação de filhos apenas às mulheres.
Portanto, o momento atual é de transição da guarda unilateral para a compartilhada, e como qualquer mudança é necessária investir também em uma dose enorme de delicadeza, e claro, tempo para adaptações e diálogo.
Há um caso que ilustra muito bem o que eu escrevi aqui, e está no livro Segredo de Justiça (03) da Juíza da Vara de Família Andréa Pachá. O caso resumidamente é o seguinte:Diante dos conflitos existentes quanto à guarda da filha, Andréa resolveu delicadamente, e o processo todo durou mais ou menos um ano. Durante este tempo o casal de pais se encontrou com mediadores e psicólogos. A convivência com o pai foi sendo pouco a pouco estimulada através de diversas audiências. A tensão existente entre o pai e a mãe foi diminuindo, os ressentimentos se acalmaram e os ódios dirimindo.
No final do processo a guarda foi compartilhada.
Vejam que neste caso a importância e parceria de psicólogos e mediadores foi essencial.
A guarda compartilhada goela abaixo feita sem preparo, sem cuidado, tem um único prejudicado: A criança, aquele que raramente é considerada no discurso moderno e muitas vezes oco da alienação parental.
Quem de fato pensa no bem estar da criança ou do adolescente se ocupa menos de si, no que quer ou naquilo que deseja a qualquer custo, pois sabe que a calma, o tempo e principalmente a delicadeza são componentes essenciais para o compartilhamento. De nada adianta dividir a criança, se os pais não se entendem a contento no que se refere aos aspectos básicos para o seu desenvolvimento, tais como rotina, educação, regras e limites. Os adultos nesta situação precisam ter mais estrutura do que as crianças. Muitos dos conflitos existentes nesta situação têm a ver mais com o poder competitivo do que propriamente o amor.
Tanto no consultório como nas Redes Sociais o que mais ouço e leio é uma preocupação excessiva em ganhar a batalha, raramente a criança é considerada ou protagonista nesta situação, ela vive no centro de um cabo de guerra, pronta para ser desmembrada e compartilhada por pais e mães desestruturados. E nesta guerra vale tudo: falsas acusações, ofensas, exageros de toda a ordem, e uso da criança como uma espécie de papagaio a serviço de um dos pais.
Talvez o importante neste tipo de situação seja o de entender por qual razão um dos pais teve que usar de expedientes tão baixos para ficar com a criança. Para isso a parceria entre juízes, psicólogos e mediadores é essencial.
Chegará um tempo, assim espero, em que as crianças poderão ficar no melhor ambiente para elas, e tenho certeza que nem sempre este fator será biológico, tal como ocorre hoje nos processos de adoção. Há pais (pai e mãe) que têm filhos, mas não tem a menor competência ou zelo para cria-los. E nas disputas, que tem mais a ver com uma separação mal digerida, elas entram como uma espécie de troféu a ser compartilhado a todo o custo.
LEIA MAIS:
- https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/12/1565810-nova-lei-da-guarda-compartilhada-obrigara-pais-a-dividirem-decisoes.shtml
- https://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=compartilhar
- Segredo de Justiça, Andréa Pachá. “Memória Entre Aspas”, página 64 a 66.
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