COMO REAGIR A UMA CANTADA?
COMO REAGIR A UMA CANTADA?
Por Suely Pavan Zanella (*)
“Pela manhã, antes de sair para o trabalho, ela percebe que seus dois cachorros sumiram. Ela já arrumada e de salto alto parte para procurá-los. Os localiza na esquina de casa. Quanto mais ela corre e grita por eles, mais eles fogem. Devem achar que ela está brincando, e rapidamente se agitam em meio à avenida movimentada. Ela vai atrás deles parando os ônibus e carros. Finalmente, consegue pegá-los e os leva para a sua casa. Ela está vestida toda de azul. A blusa ficou amassada, os cabelos estão desalinhados, mas está atrasada, e não tem tempo para se arrumar de novo. Segue em frente e caminha apressadamente para o ponto de ônibus que fica longe de sua casa. No caminho há um bar. Apesar do horário ele está cheio, e ela, pensa: Pronto! Vou ouvir uma bobagem. Um rapaz sai do bar e caminha em direção dela. Ela se enrijece, está acostumada a ouvir desatinos na rua. Ele sem se aproximar muito dela apenas diz: Além de bonita é elegante!
Surpreendida, ela sorri e segue em frente!”
O que é uma cantada, e o que é um estupro psicológico ou violência psicológica nas ruas?
Cantada, paquera ou galanteio sempre se referem a elogios, normalmente públicos. Cantada faz parte da sedução. E em nada se parecem com constrangimento público, uso de palavrório chulo, invasão de privacidade, normalmente utilizados por cafajestes de qualquer espécie. Um homem ou mulher que utiliza de expediente baixo para conquistar alguém consegue, na maioria dos casos, apenas rejeição. Portanto, apenas afasta o objeto do pseudo elogio.
A terminologia do baixo calão normalmente é associada a homens de pouco ou baixo nível cultural, o que não passa de mito. As chamadas popularmente de “cantadas de pedreiro” não se restringem a esta classe social. Já vi muito universitário rico se referir às mulheres em ambientes públicos de forma assustadoramente preconceituosa contra as mulheres em geral. Um grupo certa vez fazia comentários em voz alta sobre uma determinada moça, que todos tinham “pegado” na balada. Eles não se constrangiam em falar o nome dela. Eu e a atendente da loja de conveniência em que eles estavam falando alto em uma rodinha ficamos envergonhadas. Eram marmanjos bem vestidos e letrados dizendo as diferentes formas que haviam transado com a moça. Como se eles também não houvessem transado com ela. Infelizmente, a realidade ainda mostra que os homens, não todos, é claro, ainda fazem a divisão entre mulheres que dão e aquelas que não dão. E não há como negar que nas baladas em geral homens e mulheres bebem muito para poder transar com qualquer um a torto e a direito. Além de também se drogarem. Como se transar não fosse natural para eles!
Então este erro crasso de achar que só homens de baixo nível falam impropérios para as mulheres nas ruas não passa de uma grave distorção, além de preconceito.
E aí a boa e velha cantada se confunde até conceitualmente com violência psicológica ou insulto nas ruas.
Violência psicológica, como todos, sabem é difícil de provar. Ela é o ingrediente principal naquilo que se chama de crime de assédio sexual, e cujo limite territorial são os ambientes organizacionais. Não existe assédio sexual nas ruas, pelo menos segundo a nossa legislação e também a de outros países. Aliás, confundir assédio sexual com abuso (estupro) é também uma forma conveniente e eficaz de confundir as vítimas.
Portanto, a resposta à pergunta “Como reagir a uma cantada” é simples. Cada um de nós responde a um elogio da forma que melhor lhe aprouver. Todos têm competência para fazê-lo, desde que sejamos adultos e sóbrios. Não somos donzelas indefesas como muitas vezes a mídia tenta e até insiste em mostrar. Há mulheres que gostam de cantadas e outras não. Generalizar que todas gostam ou não, é no mínimo hipócrita.
Países que lidaram eficazmente com o estupro psicológico nas ruas em primeiro lugar não confundiram terminologias, chamando, por exemplo, abuso sexual de assédio, e muito menos confundindo cantada como estupro psicológico.
O envolvimento quanto à defesa das mulheres foi feito de forma legal, por juristas.
Um grande exemplo é o documentário da belga Sofia Peeters chamado “Femme de La Rua” que gerou ampla repercussão em termos de novas legislações contra o estupro psicológico nas ruas. Os insultos verbais nas ruas, como denominou a Prefeitura de Bruxelas acarretarão multas de 75 a 250 euros.
Veja também a forma eficaz como a mídia de Bruxelas encarou o assunto, diferentemente daqui onde jornalistas palpitam sobre todos os assuntos, por lá é um jurista que dá o seu ponto de vista. Veja também que a terminologia é clara, e não usa nem por um momento sequer o termo assédio ou cantada, e sim insulto. Afinal, uma mulher que é a todo o momento desclassificada nas ruas é insultada, e não cantada. Assista ao vídeo: https://vimeo.com/83802845
Portanto, há uma diferença conceitual clara entre cantada e estupro psicológico ou insulto. Há mulheres que por razões particulares não gostam de elogios, e outras gostam. Agora, raramente uma mulher gosta de ser insultada nas ruas, que é, como todos sabem, um espaço público e de convivência. Não confundir os termos e partir para opinionismos ou proteções psicológicas é o primeiro passo para mudar esta realidade. Especialistas devem ser ouvidos pelas mídias brasileiras, coisa que nunca o são. E não há no Brasil nenhuma legislação específica sobre insultos nas ruas. Sei que xingar uma pessoa é crime, mas ninguém conta qual é o caminho das pedras para uma denúncia policial, por exemplo. Por aqui falta esclarecimento conceitual. Lutemos por isso!